segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Pois quando eu descobri a miopia eu já estava na saída de emergência

Honório não sabe lidar com o fato de que todos morrem um dia. Honório não sabe lidar com o fato da mortalidade. Honório não sabe lidar com o fato do medo que ele tem de morrer. Honório não sabe lidar com o fato do seu medo. Honório não sabe lidar com o fato da sua solidão. Honório não sabe lidar com o fato do seu medo de ser só. Honório não sabe lidar com o fato da sua dor. Honório não sabe lidar com o fato de que ele está muito triste. E Honório sabe o quanto falar docemente sobre isso, do jeito que ele fala, é irônico. Porque Honório não quer ser doce nesse momento. Honório nem sempre sabe ser doce. Honório não sabe lidar com o fato da falta. Honório não sabe lidar com o fato da falta que certas coisas fazem. Honório tem medo de julgarem tudo como um exagero seu. Honório tem medo de ser extremamente chato. Honório tem medo de que as pessoas deixem ele sozinho nas festas. Honório tem medo de que as pessoas deixem ele sozinho em qualquer lugar. Honório não sabe lidar com o fato de que pessoas deixam pessoas e que isso não é em festa ou em qualquer rua, é na vida. Honório não sabe lidar com o fato de que já fez isso com alguém. Honório tem medo de certas coisas que inventaram na vida. Honório não quer repetir isso. Honório não sabe lidar com o fato de que às vezes não consegue, com o fato de que às vezes não suporta. E o que mais dói no Honório é o fato de ele não ser obrigado a lidar com nada. É o que mais dói. É o que mais dói em Honório.


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Existe felicidade na China?

Esse desassossego da solidão, isso tem a ver com o fato de saber que estar só é algo que não tem jeito. Definitivamente. Desde os 15 ou 16 anos que eu me sinto assim e nada melhorou. Cada vez mais tem sido cada vez pior. Algumas coisas doem menos, porque eu estou mesmo bastante calejado, mas outras continuam doendo do mesmo tanto ou pior. Outras coisas doem cada vez mais. Perder a beleza pro amargor da vida, por exemplo, é foda. Isso te salva de mil feridas, mas te afasta das coisas incríveis que só uma certa inocência te faz viver. E saber disso é cruel demais. Que é preciso abdicar da pureza pra não ser machucado. Essa falta de salvação. Quanta maldade isso com a gente. Essa dor de nunca estar completado ou entendido. E de ficar sempre procurando alguma coisa que não vem. E que nunca vai vir. Porque não existe. É uma necessidade que nunca vai ser completada. Nenhum beijo, nenhuma palavra bonita, nada disso nunca vai de fato libertar ninguém. Quando eu descobri que não havia nada que tomasse decisões por mim. E que eu não tinha escolhido viver. E agora ter que lidar com o fato de ter que ter dinheiro pra comer, e que trabalhar é assim, e que isso dignifica o homem, e que é isso o que importa. E que depois disso tudo, saber que nós vamos morrer um dia. Sem garantia de nada. E que amores morrem. E que flores murcham mesmo. E que amigos traem. E que você pode um dia falhar feio com quem você tanto ama. Continua doendo muito. Porque não é possível que seja assim desse jeito sempre. E que seja só assim, só desse jeito sempre. Saber que o mundo tem bilhões de habitantes e todos estão sozinhos. Continua doendo saber que sei lá quantas pessoas que já viveram nesse mundo foram sozinhas do começo até o fim. Continua doendo demais saber que os que virão ainda vão ser do mesmo jeito que nós somos. E continua doendo saber que eu, tendo 21 anos, já sinto o peso da vida desse tamanho assim. Imagine quando eu tiver, sei lá, quando eu tiver por exemplo 60 anos.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Toucinho fumado

Então eles apostaram em algo pra ser feito num único filete. Foi aí que eles cortaram as extremidades. Retiraram o excesso. Permitiram uns três enfeites de nada. E nada mais. Depois, eles pensaram que veriam o grande. O soberbo. Como um sopranino. Um castrati perfeito. E serviram um fermentado de ervas escuras e aguardaram o espetáculo. Com olhos que, insistentemente, esperam por algo. Saíram de dentro de suas camisas claras. Queriam contemplar o belo. O fofo. O magnífico. Que uns até pensaram que seria outra coisa. Mas eles encasquetaram na perfeição. Na salvação. Coisa de outra vida. Experiência mística. Nos campos elísios. Que ruíram feito geleia de amora no pão seco quando, na verdade, eles viram que não. E então perceberam o monstro. De um banquete falido. De café requentado. E chá de hortelã cheio de açúcar cristal. O bisonho. O fantasma. O diabo de voz rouca e sangue talhado na garganta. Com fogo nas tripas. O extraterrestre. O esquimó albino cego virgem de 134 anos nascido na República Dominicana. Com os membros cortados. E puta que pariu. Eles pensaram. Mas não deixaram nada belo. Foi como o contrário. Algo feito algo feito pra não ser sublime. Era o subterrâneo. O desfeito. O desgosto. O terrível. O feio. O horroroso. O torto. O mórbido. O incômodo. Fora de questão. Fora de contexto. Fora de quadrinho. Fora que, de tão fora, estava por fora. Servindo de entrave. Tadinho. Miúdo. Parecia uma tripa de bacon. Que frita, apesar de esquisita, talvez até fosse gostosa. Com bastante condimento por cima. E talvez com um molho de abacaxi com coentro. Mas ele fedia feito pano de chão guardado na gaveta ainda molhado. Depois de sete dias. O que tornava inviável o consumo.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Dia de reis

A vida é uma coisa bonita, cara. O resto pode ser foda. Mas a vida é, sim, bonita. Mesmo que não caiba tudo. Mas quando eu respirei agora a pouco. Quando eu abri as costelas. Quando eu encostei no rosto com as palmas das mãos. Eu soube, naquele momento, que a vida é, sim, uma coisa bonita.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Fourmis dans les paumes

Quando você vai parar de comer meu coração? Quando você vai parar de comer meu coração infeliz? Quando você pára de arrancar pedacinhos um a um infeliz? Quando você vai parar? Quando você vai parar de comer meu coração, infeliz? Quando você vai parar de comer? Quando você vai? Quando você vai parar de moer meu coração infeliz? Quando você vai parar de roubá-lo? Quando você vai parar de comer meu coração? Quando? Quando você vai deixar de fazer, querido? Quando você vai? Quando você vai? Quando você vai parar de triturar meu peito, infeliz? Quando você vai parar de se alimentar de mim? Quando você vai parar de cortar meus pulsos, quando? Quando você vai parar? Quando você vai deixar de fazer? Quando você vai parar de deixar de fazer? Quando você vai? Quando vai parar de mastigar a minha alegria? Quando vai devolver a mim os meus sonhos digeridos? Quando vai? Quando vai deixar de fazer inferno? Quando vai deixar de fazer-me infeliz? Quando vai deixar de fazer? Quando vai parar de fumar meus cabelos? Quando vai deixar de cuspir na minha sopa? Quando vai parar de bater nas minhas coxas? Quando vai deixar meu coração? Quando vai deixar que eu vá? Quando você vai deixar de fazer querido? Quando vai infeliz? Quando vai? Quando você vai parar de cortar meus pulsos, quando? Quando você vai parar de tomar o meu vinho? Quando você vai parar de se alimentar de mim? Quando você vai parar de beber meu sangue? Quando você vai parar de comer, meu coração? Quando você vai parar de comer meu coração infeliz? Quando você vai parar de fuzilar os meus rins? Quando você vai parar de comer? Quando vai parar de mastigar a minha alegria? Quando você vai? Quando você vai? Quando você vai partir? Quando vai deixar meu coração? Quando vai deixar que eu vá? Quando? Quando vai deixar eu ir coração? Quando vai deixar de deixar de arrancar pedacinhos do meu peito? Quando você vai? Quando você vai parar de triturar meu peito, infeliz? Quando vai deixar de mijar na minha sopa? Quando vai parar de secar nas minhas coxas? Quando vai parar de dar nos meus cabelos? Quando você vai parar de moer meu coração infeliz? Quando você vai parar de roubá-lo? Quando você vai parar? Quando você vai parar de comer meu coração? Quando você vai parar de comer meu coração, infeliz? Quando você vai parar de comer meu coração? Quando você vai parar de comer meu coração? Quando você vai parar de comer meu coração infeliz? Quando você vai parar de comer meu coração? Quando você vai deixar de fazer querido? Quando você vai parar de deixar de fazer? Quando você vai parar de depilar as minhas nuvens? Quando vai deixar de me fazer, infeliz? Quando você vai parar de arrancar pedacinhos um a um infeliz? Quando você vai parar de roubá-lo? Quando? Quando você vai? Quando você vai parar? Quando você vai deixar de fazer querido? Quando você vai parar de deixar de fazer? Quando vai? Quando vai deixar de fazer inferno? Quando vai devolver a mim os meus sonhos digeridos? Quando vai deixar de fazer-me? Quando vai deixar infeliz? Quando você vai deixar de arrancar pedacinhos um a um infeliz?

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sós

Um de apenas e um de solidão.


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Doce na língua

Meu peito é uma aventura. Eu sou feito prazer. Os cães ladram e eu estou aqui. A minha vontade é de coração. Um copo de felicitações, um brinde, um gole gelado e refrescante. Uma carne que se entrega constante e ágil. E vai, mesmo quando a dor é bruta. Que o meu compromisso é com a entrega. São com os achados e perdidos do mundo que eu me encaixo. Eu sigo feito bandeirante. Mesmo com a mata fechada. A claridade que a vida tem é mútua. O que escorre à terra é uma delícia.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

FV

Seis assaltos. Nós presenciamos o sétimo e não pudemos fazer nada. Estávamos trancados do lado de dentro. O rapaz estendeu o braço pra dentro do estabelecimento e nós não pudemos fazer nada. O tio que estava com a chave do portão foi o primeiro a correr. E nós também corremos. Todos nós. Derrubamos cadeiras, viramos mesas, quebramos copos. E não socorremos o rapaz. Ficamos todos escondidos, agachados, pensando que levaríamos tiros ou que nos levariam tudo, todos os pertences. Eu pensei que eles tinham conseguido mesmo entrar. E que logo nós seríamos encontrados. E que logo nós seríamos também vítimas e não mais testemunhas. Depois, quando a gente viu que eles não tinham entrado e que na porta não tinha mais ninguém, nós voltamos aos nossos lugares e decidimos pagar a conta. Não sentamos. Estávamos nervosos. Quem teve coragem de olhar mais detalhadamente o momento em que tudo aconteceu, viu que realmente apontavam uma arma pro rapaz. Eram caras numa moto e tinha também um carro de porta aberta. E pronto. Depois disso e depois da nossa correria, nem sinal do rapaz e nem sinal dos assaltantes. Ou mesmo sequestradores. Nós não sabemos de nada. Saímos de lá em bando, morrendo de medo. Pegamos nossos ônibus querendo chegar logo em casa. E agora eu nem sei mais no que eu penso. Eu queria ter notícia dele.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Portland

Tudo no mundo vai ficar cinza. E eu quero estar morto antes que esse dia chegue.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Chão de fábrica

Não é preciso falar sobre qualquer instabilidade, porque vai ser instável de qualquer jeito. Toda experiência de amor é violenta.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Eu tenho quase certeza de que esse deve ter sido o nascer mais bonito que ele já viu na vida até agora

(para Robson Levy)


Gosto das marcas na janela. Afinal nem tudo está tão próximo. Gosto do sonho quando há nele a capacidade de saber-se sonho. Gosto da realidade do acontecimento. De uma película transparente, mas suja. Onde não há fingimentos. Porque há na janela a transparência necessária de fazer conhecer o nascer do sol mais lindo que ele já viu. Mas as rachaduras acusam que ali, entre o céu e o conforto, existe um material palpável, uma estrutura crível, acrílica, suja. Que separa. O dentro do fora. O homem da nuvem. A aeromoça da turbina. É tudo tão real. Concreto. A palavra estampada no carpete, o saco de vomitar matérias, o embaço causado na janela pelo ar quente da boca. A poesia pode estar presente. Nos olhos de quem vê Deus parecer tão próximo de nós.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Antônio

Solte os rios que estão presos nas garrafas. Nade com os peixes. Ressuscite os corações mortos e cure os fatigados. Seja braço. Seja perna pro cansaço. Seja firme e também mole feito travesseiro. Quando a cabeça pesar, deite sobre o que é macio. Chore. Inunde as areias do mundo. Transforme asfalto em mel. Arranhe a paisagem e deixe o sol entrar pela brecha. Seja um pouco. Seja um tanto e muito. Tenha transparência. Telefone pra ele. Tome um café sozinho mesmo. Mande corações. Sorria pra criança que te dá a mão. Não tenha medo dos carros. Não corra dos monstros. Não cante sem graça. Seja um fado. Tenha mil filhos. Seja um pássaro. Seja um redemoinho. Deixe os vulcões gritarem. E pule com os terremotos. O problema que o mundo tem é um parafuso a menos. Lambuze a testa da Terra. Traduza os reis em vagabundos. E faça dos vagabundos a coisa mais linda de um país. Invente mil países num só e um só em todo o mundo. Rasgue dinheiro. Chupe o veneno. Não deixe que açúcar vire diabetes. Não deixe que rezas virem bobagens. Traduza. Seja mãe. Não deixe que bolsas abriguem pedras. Tire os camundongos das ratoeiras. Enfeite o vento com purpurina de cor. Voe tudo. Ande por aí. Dispa o que tem de excesso. Cozinhe com o tempero do mar. Abra os véus e os veludos. Morda a madeira que ele guarda no lado de trás. Perdoe a ausência. E se ausente quando for preciso. Deixe lembranças. Envie cartas com fragrâncias de perfume. Seja uma notícia vermelha nas folhas amarelas do jornal. Plante jardins onde não puder. Plante espelhos e estrelas nas calçadas. Deixe saudade quando morrer. Seja lembrança finalmente. Beba todas as dores com gosto de morango. Esteja na respiração de todos. Faça o que o mundo precisa. Seja o ar. Seja fruta. E apesar de tudo seja. E apesar de tudo ame. Mesmo que nunca te respondam. Seja até bobo se for preciso. Depois repita tudo. E faça tudo muito melhor e diferente.


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Poliartrite crônica evolutiva

O mundo não acabou. Há menos de um minuto senti partes minhas estalarem numa quina de alumínio. E pensei ser tudo um sinal. As escadas também estão bem gigantes. Percebo um lugar inalcançável. E cada pedaço trincado. Porque as coisas não vão bem, por mais que eu tente. De fato não é só dor de garganta, febre, sintomas. Não é sobre doenças. Não é sobre a terrível dor no ombro. Não era sobre isso que eu precisava falar. É sobre o que escorre no rosto. Passei dias sofrendo a dor de um planeta de merda. E os olhos com chá amargo, escuro e quente. Minhas unhas dos pés enormes. Meu corpo doente. Sentindo um murro, um nariz sangrando ou mesmo a perda dos dentes. O peso em cima de mim. Mais que um diagnóstico. E assim eu vou contando cada coisa. Tomando algumas pílulas. Como se isso servisse de salvação ou de remédio, além de ser cura pra febre. E eu percebo que o mundo não acabou. Mas que a cada dia. Tem tanta gente que acaba.

sábado, 21 de setembro de 2013

O homem da rua de pedras

Vinha um homem andando por uma rua de pedras. Eu vi. Um homem caminhando por uma rua de pedras. E ele chorava. Mas ele chorava muito, muito mesmo, como se ele tivesse acabado de ser muito machucado. E eu até fiquei olhando se algum pedaço dele estava fora do canto, se algum pedaço dele tinha sido arrancado ou trocado. Porque uma dor igual àquela não devia ser por pouca coisa.

Ele também se perguntava onde estava Deus, eu lembro. Ele perguntou isso. Ele deve ter perguntado umas trinta e poucas vezes onde estava Deus. E ele também dizia muitas coisas. Muitas coisas, muitas coisas. Que era tudo um buraco, que era tudo feio, que era tudo um pedaço arrancado à força por sei lá quem ou o quê, que era muito difícil e infernal e que era injusto que Deus existisse diante daquilo. E disse também mais outro bocado de coisas, que eu não lembro. E então ele continuou. Ele continuou caminhando, caminhando, caminhando, caminhando até perder a força nas pernas. E caiu. Caiu no chão. As pernas tremeram tanto que ele caiu. E foi obrigado a desistir de continuar andando. E ele chorava tanto, tanto, que as pessoas que passavam por ele nem olhavam. Mas ele chorava muito mesmo. E as pessoas sentiam vergonha ou algo do tipo. Sim. Vergonha. Vergonha daquilo que ele estava vivendo. Eu também senti. Talvez por não saber lidar com aquilo. Por não saber como lidar com aquilo. Talvez por não entender. Talvez por não sentir igual ou não entender o maneira que ele sentia. E então ele quis se defender. Eu acho que foi isso. Ele queria se defender. Ele quis se defender. Porque ele já estava muito fodido pra ser mais fodido ainda. E além de estar fodido por tantas questões, ainda ia ser mais fodido ainda por tantas outras se ele não se defendesse. Por isso eu acho que era defesa. Porque ele começou a gritar. Muito. Gritar muito além de, como eu já disse, chorar e dizer coisas. Gritava muito, muito alto, como se tivesse sido tomado por um ódio súbito. Não era mais só a tristeza. Era ódio também, tudo junto. Mas era muito ódio. E ele fazia questão de odiar. Ele odiava como se, depois daquele ódio, ele nunca mais fosse sentir mais nada. Mais nada. Mais nada mesmo. Era como o último sentimento que ele teria na vida. É como se ele tivesse chegado ao ápice de tudo, de tudo, de tudo.

E ele batia no próprio peito com os pulsos. E o seu peito, eu penso, devia bater também, mas como se fosse, em vez de um coração, como se fosse uma pedra incapaz de ser removida ou suportada por ele. Tanto é que ele caiu. Ele caiu pelo peso da pedra e gritou, gritou, gritou, gritou e gritou. Os joelhos dobraram e ele caiu. Duro e difícil em cima das pedras da rua.

Ele devia vir com aquilo crescendo dentro dele, com essa pedra crescendo em tamanho, desde que ele era criança. E agora ele não podia mais carregar nem a si mesmo. Porque era muito peso. E as coisas foram sendo assim mesmo. Talvez o pedaço dele tenha sido arrancado justamente pra dar lugar a essa pedra enorme, que não cabia mais de tão grande. E o que me assusta mais é que eu não sei se ela pretende parar de crescer um dia.

Eu sei que, de tanto ele gritar, eu hoje me sinto silenciado. Eu não tenho mais palavras. Eu não tenho palavras. Eu estou escondido atrás de uma porta. E isso não é uma metáfora. Não, não é. É um fato. Eu estou aos soluços. E sem som algum. Sem som algum tudo isso. Tudo isso que sai de mim não tem barulho de nada. Porque até o barulho perdeu a função de ser barulho depois disso. E, do mesmo jeito que ele provavelmente ficou sem nunca mais andar, eu também acho que provavelmente eu emudeci de vez. Eu me sinto destruído. Quando, na verdade, eu pensei que tivesse endurecido de vez.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Burden

É um ghost. É um must. É um símile.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Psicanalítica

Dois cubos de açúcar para as suas bocas. Mas apalpando eu escolho uma. Minhas mãos sabem gritar muito bem. Agarro com delícia. Sendo que as pegadas antiquadas do seu som demarcam seu pensamento equivocado. Enquanto você sonha, eu sou tão mais puta. Menos fanha e mais louca. Com pouca grana no bolso de trás e pronta pra perder em qualquer parada, eu já me sinto bem-vinda a este. A tarde é um coquetel de solares. O meu é preparado para ser sagaz, com muito álcool e pouco doce. Alta e feroz. Duas medidas são o bastante para até o começo da noite. Quando a qualquer momento um pau pode ficar duro. E eu acho ótimo. Seja dentro da minha palma, é claro. Mesmo que fora do meu campo de visão. Delimite apenas o seu tamanho em centímetros. Que os meus são maiores e metrificados por ao quadrado.


domingo, 15 de setembro de 2013

Dia dos senhores

Cometer, sejam erros ou acertos, com garantia de vida. Que o dia vai nascer. Que vai ser domingo. E que domingo é dia de Deus descansar, deitado na rede, fumando um cigarro, bebendo uma Coca. E que, assim como ele, a gente também vai poder ver o sol meio que de dentro do quarto, pela janela. Só na preguiça. E isso vai ser muito bom. Vai se poder beber muita água. E sentir saudade, mas daquelas boas. E vai poder se agradecer muito pela existência que, apesar de dura, é fresca. É molinha. É doce. Mesmo quando azeda. Mas nem isso importa muito agora. Porque o que mais vai ficar é que, no dia de hoje, a vida vai descer bem pela garganta. Seja na fumaça quente e branca ou nas bolhas geladas e pretas. Um dia essa felicidade vai ser tão tão completa que todo dia vai ser feriado, porque todo dia vai ser que nem domingo. Ou mesmo: todo dia vai ser exatamente um domingo, na forma e no nome que ele tem. E o sagrado vai ser profanamente um dia público e extremamente democrático. Sem privações.