domingo, 26 de julho de 2009

Quebra-corpo

Meus pedaços estão desmontados. Agora sou vários – sou linhas e traços, líquidos, durezas num curto espaço. Sou um monte de coisas soltas; sou tantos e tão muitos, que são muito menores perante a imensidão de outros corpos que ainda não foram quebrados.

Minhas ilusões vazaram na languidez do meu escoamento. Virei partículas, tornei-me cacos.

Somos só eu: únicos na imensidão de um infinito – sem sonho, ásperos como grãos de Terra em terra.

domingo, 19 de julho de 2009

Ritmo de festa



Domingo é o pior dia. Tudo fica lento, as horas não passam. As ogivas são sem vida, suas cores são mortas. E é tudo quente demais. E é sem vento. Na TV, as mulheres dançam com sorrisos comprados – os braços, o improviso, as pernas cruzadas, a jogada de cabelo, o salto prateado, os brincos em metros e os peitos siliconados quase pulando pra fora do figurino cafona de lantejoulas lilases e pedrarias vermelhas. As músicas são as piores possíveis. O futebol pára a ruas e os patrocinadores compram as máquinas – enquanto os homens tomam cerveja e as mulheres falam de tratamento capilar inteligente. Mas o tédio – o tédio é sempre o mesmo – é o mesmo de todas as semanas.

Tudo tenta ser fantástico, em ritmo de festa, mas nada me agrada muito. Não acredito no descanso de Deus e acho que a ressurreição de Cristo foi em outro dia. Nem os babilônicos me excitam muito com o seu Shamash. Nem os churrascos de família – acho tudo falsidade. Nem as carnes vermelhas. Nem a República Dominicana. Nem as festas pagãs.

As pessoas são tomadas por uma alegria sem graça, com gosto de refrigerante com cheiro de barata. É uma alegria dominical, absurda e sem propósito. Uma alegria de gelatina em pó, fingida e sem escapatória, onde a família feliz é centro de um palco italiano, onde o fingimento vive, onde a ostentação é o consumo e os carrinhos de compra estão cheios, onde os automóveis dizem alguma coisa e onde os apartamentos têm mais vida. É onde a pizza dá o verdadeiro sentido do dia. É quando se come algum sabor após uma hóstia sem sal de uma missa demorada, onde o pai nosso é só de alguns e a mentira é agora e na hora de nossa morte, amém.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Aos que escrevem


Nosso sangue caiu sobre o papel, mas continuamos vivos – agora mais que nunca! Porque essa é a única certeza de que a gente não morre tão cedo. A única certeza de que a gente viverá por uma breve eternidade.

domingo, 5 de julho de 2009

O beijo ou Abril em primavera

A mobilidade da luz percorreu toda a paisagem – quebrou os vazios de uma imagem de vítreos ossos e transformou tudo em carne. Foi por entre as janelas de um prédio, foi por dentro do mundo. Passou por colunas e colunas, pelas colunas, entre espinhas e máquinas, por pedras e costumes. Tudo havia sido rasgado. Havia mudado e não havia mais espaço. Tinha veracidade nas bocas, havia o desejo de ser o que nunca tinha sido – porque não podia ter sido antes, porque não havia sido dada a vontade de viver a intensidade dos mares.

Mas a transformação foi feita. Foi – traçou um corte na previsibilidade do tempo e das coisas. As feridas abertas foram lambidas, as peles fechadas foram cortadas. Eram dores densas, eram cores em toques. Era tudo tão bom! Havia uma coragem de se arriscar – contra o medo, contra tudo e contra todos, porque agora tudo era uma verdade de verdade, ao contrário de antes. Parecia perigoso, mas não: era um grito de libertação (e não mais um segredo).

Tudo fazia parte de um momento – os suspiros, os olhos ardentes, as flores vermelhas de sangue e rosas de amor – tudo era parte de uma hora que jamais seria cicatrizada. Era um rito de passagem, sim. Era a aurora, o desabrochar do que parecia inanimado. Era um canto que, ao mesmo tempo, sendo turbulento, era suave. Era uma varredura sobre o pó de uma sobra escura. Era a luz, era um grito de sol – o dia; o sabor entre os homens. Era o beijo, eram dois. Era a primeira vez.

A liberdade, amor – a que sonhaste!