quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Ato em drama seco n.º 01

A ficção me encanta. Fernão será lindo nos meus braços. A paixão não nos dilacerará nem que por nenhum segundo depois de amanhã. A vista pela janela vai ficar fenomenal. Ainda que haja um incerto fluxo de consciência. Seremos todos vitoriosos. Um a um. Sem que ninguém se perca. Porque fomos feitos pra acreditar em milagres, não fomos? E se fomos. Pela minha porta. Não há sequer um dia que não chova. Sobre todas as flores. E esse clima faz com que eu me sinta docemente vingado. Tomando martini na garrafa. Mesmo que existam os momentos em plano-sequência. Gotas e gotas. Ouvindo aquele álbum de 1973. Para que eles todos nos percebam. E se contenham nas catarses inúteis. Se eu te contasse qual era a faixa do disco, seria óbvio demais. Já te foram apontadas as dicas. Sem trancas nas portas. A ficção não deixa. Apesar dos rastros dramatúrgicos. Questionamentos sem resposta. Ela quer que você se envolva. Até o pescoço. Não se apavore. Desvende o enigma. Aproveite que Aristóteles está morto. Aposte seu favorito num prêmio. Algo tipo o Oscar. Sinta na boca o gostinho azedo do que poderia ser. Isso ou isso. Até aquilo, se os mortos resolvessem voltar nessa estória. Se estivéssemos falando sobre a verdade. Que não existe. Até ser dissecada a sinopse mal feita. Mas que. Enfim. Você sabe. E eu detesto.


domingo, 29 de abril de 2012

Dispepsia


Sim. Eu estou com minha cabeça quebrada num jogo de quebra-cabeça. Similarmente. Fervilhando. E se eu reclamo, é de dor. Porque o jogo tem muito a ver, não-obviamente, com amar e tudo o que este verbo, transformado em carne, implica. Ou seja, na prática: experimentando essa solidão, essa falta, essa saudade fodida, essas contusões sentimentais. Por onde transitar?, eu me pergunto. Quais ligações eu cruzo, o que dizer, como gritar por alguém? E arriscar beijos. E arriscar frases. E arriscar curas ou ainda mais enleios perigosos e curvas na contra mão onde eu poderia morrer. Como escapar do meu jogo que eu mesmo criei se, uma vez nele, eu não poderia fugir jamais? Como entendê-lo? Como traçar uma meta? Ou como arquitetar um fim? Eu suspeito que eu não sei. Não.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Posso

Eu poderia escrever outras tantas de amor mas meu corpo não deixa. Eu poderia ter mergulhado e ter bebido da tua saliva ao invés de ficar na beira tocando as ondas com os pés. E ter optado por uma respiração leve ao invés de ofegante e pesada e ter te perguntando sobre mim em algum momento da manhã. E ter buscado mais do teu furor diabólico e ter cuidado mais da tua paz de santo. E não ter medido minha palavra. E ter dito com a palavra o que tem por trás dos meus olhos. E ao te perceber tão suscetível naquele instante ter notado que ao entrar nos teus caminhos eu poderia me perder. Mas que mesmo assim eu poderia ter te roubado um. E que eu poderia ter te roubado tantos. E que ao não ter resposta alguma sobre isso saber que amanhã eu posso te roubar um beijo.


Preciso do bheijo fantasma

Vou me render à cama, ao silêncio, lençol e ventilador. Penso em dois braços. Penso em coisas laranjas, em limão, sal e tequila. Eu me sinto em estado febril. Tremo de frio ansioso. Tramo coisas azuis. Canto. Estou desde a meia-noite. Hoje é sexta. Os óculos pesam. Durmo com o celular perto. Preciso mesmo descansar. Não queria ter que cumprir obrigações. Estou sufocando meu travesseiro. Grunhido palavrões. Quem sabe eu repita um mantra. Solene digo, como eu disse quando tinha 15 anos de idade: "preciso do bheijo fantasma". Depois eu posso sair. Provavelmente pela porta de trás. Por isso ponho pra tocar a droga do despertador. Nove e meia, baby. Embora eu saiba que só levante por volta de treze, depois de muito crer em amor.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

3.46

O tempo nos envelhece. A morte nos antecipa. A saudade nos aperta. As coisas são. A eternidade não existe. As carnes apodrecem. As flores murcham. Os corações, assim como os relógios, pifam. E o amor consome tudo. 

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Arrebata-me


E de repente eu não estou lá. Eu não me enquadro – e nem me surpreendo. Eu não me encontro. Não faço parte e nem tomo. Eu não acho. Saída. Solução. Espaço. De súbito, tomado pelo ar, em menos de minuto, sinto meu corpo flutuante, pés dormentes, cabeça distante, olhar nebuloso. Onde? Quem são essas pessoas? Antipatizo fácil. Desavergonhadamente. O que é o que é: um ponto clarificado no meio da multidão? Tranco os dentes. Invento disfarce pros meus soluços. Choro cantando. Engulo lágrimas pelos olhos. Chumbo-me. Enegreço. Me cubro com cascas de ovos. E só depois, ao chegar em casa, posso desatar – tão meus – os meus nós. É de repente. Que trincam as lentes dos meus óculos. Só então eu entendo que faz todo sentido do mundo eu ser míope.