quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Antônio

Solte os rios que estão presos nas garrafas. Nade com os peixes. Ressuscite os corações mortos e cure os fatigados. Seja braço. Seja perna pro cansaço. Seja firme e também mole feito travesseiro. Quando a cabeça pesar, deite sobre o que é macio. Chore. Inunde as areias do mundo. Transforme asfalto em mel. Arranhe a paisagem e deixe o sol entrar pela brecha. Seja um pouco. Seja um tanto e muito. Tenha transparência. Telefone pra ele. Tome um café sozinho mesmo. Mande corações. Sorria pra criança que te dá a mão. Não tenha medo dos carros. Não corra dos monstros. Não cante sem graça. Seja um fado. Tenha mil filhos. Seja um pássaro. Seja um redemoinho. Deixe os vulcões gritarem. E pule com os terremotos. O problema que o mundo tem é um parafuso a menos. Lambuze a testa da Terra. Traduza os reis em vagabundos. E faça dos vagabundos a coisa mais linda de um país. Invente mil países num só e um só em todo o mundo. Rasgue dinheiro. Chupe o veneno. Não deixe que açúcar vire diabetes. Não deixe que rezas virem bobagens. Traduza. Seja mãe. Não deixe que bolsas abriguem pedras. Tire os camundongos das ratoeiras. Enfeite o vento com purpurina de cor. Voe tudo. Ande por aí. Dispa o que tem de excesso. Cozinhe com o tempero do mar. Abra os véus e os veludos. Morda a madeira que ele guarda no lado de trás. Perdoe a ausência. E se ausente quando for preciso. Deixe lembranças. Envie cartas com fragrâncias de perfume. Seja uma notícia vermelha nas folhas amarelas do jornal. Plante jardins onde não puder. Plante espelhos e estrelas nas calçadas. Deixe saudade quando morrer. Seja lembrança finalmente. Beba todas as dores com gosto de morango. Esteja na respiração de todos. Faça o que o mundo precisa. Seja o ar. Seja fruta. E apesar de tudo seja. E apesar de tudo ame. Mesmo que nunca te respondam. Seja até bobo se for preciso. Depois repita tudo. E faça tudo muito melhor e diferente.


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Poliartrite crônica evolutiva

O mundo não acabou. Há menos de um minuto senti partes minhas estalarem numa quina de alumínio. E pensei ser tudo um sinal. As escadas também estão bem gigantes. Percebo um lugar inalcançável. E cada pedaço trincado. Porque as coisas não vão bem, por mais que eu tente. De fato não é só dor de garganta, febre, sintomas. Não é sobre doenças. Não é sobre a terrível dor no ombro. Não era sobre isso que eu precisava falar. É sobre o que escorre no rosto. Passei dias sofrendo a dor de um planeta de merda. E os olhos com chá amargo, escuro e quente. Minhas unhas dos pés enormes. Meu corpo doente. Sentindo um murro, um nariz sangrando ou mesmo a perda dos dentes. O peso em cima de mim. Mais que um diagnóstico. E assim eu vou contando cada coisa. Tomando algumas pílulas. Como se isso servisse de salvação ou de remédio, além de ser cura pra febre. E eu percebo que o mundo não acabou. Mas que a cada dia. Tem tanta gente que acaba.

sábado, 21 de setembro de 2013

O homem da rua de pedras

Vinha um homem andando por uma rua de pedras. Eu vi. Um homem caminhando por uma rua de pedras. E ele chorava. Mas ele chorava muito, muito mesmo, como se ele tivesse acabado de ser muito machucado. E eu até fiquei olhando se algum pedaço dele estava fora do canto, se algum pedaço dele tinha sido arrancado ou trocado. Porque uma dor igual àquela não devia ser por pouca coisa.

Ele também se perguntava onde estava Deus, eu lembro. Ele perguntou isso. Ele deve ter perguntado umas trinta e poucas vezes onde estava Deus. E ele também dizia muitas coisas. Muitas coisas, muitas coisas. Que era tudo um buraco, que era tudo feio, que era tudo um pedaço arrancado à força por sei lá quem ou o quê, que era muito difícil e infernal e que era injusto que Deus existisse diante daquilo. E disse também mais outro bocado de coisas, que eu não lembro. E então ele continuou. Ele continuou caminhando, caminhando, caminhando, caminhando até perder a força nas pernas. E caiu. Caiu no chão. As pernas tremeram tanto que ele caiu. E foi obrigado a desistir de continuar andando. E ele chorava tanto, tanto, que as pessoas que passavam por ele nem olhavam. Mas ele chorava muito mesmo. E as pessoas sentiam vergonha ou algo do tipo. Sim. Vergonha. Vergonha daquilo que ele estava vivendo. Eu também senti. Talvez por não saber lidar com aquilo. Por não saber como lidar com aquilo. Talvez por não entender. Talvez por não sentir igual ou não entender o maneira que ele sentia. E então ele quis se defender. Eu acho que foi isso. Ele queria se defender. Ele quis se defender. Porque ele já estava muito fodido pra ser mais fodido ainda. E além de estar fodido por tantas questões, ainda ia ser mais fodido ainda por tantas outras se ele não se defendesse. Por isso eu acho que era defesa. Porque ele começou a gritar. Muito. Gritar muito além de, como eu já disse, chorar e dizer coisas. Gritava muito, muito alto, como se tivesse sido tomado por um ódio súbito. Não era mais só a tristeza. Era ódio também, tudo junto. Mas era muito ódio. E ele fazia questão de odiar. Ele odiava como se, depois daquele ódio, ele nunca mais fosse sentir mais nada. Mais nada. Mais nada mesmo. Era como o último sentimento que ele teria na vida. É como se ele tivesse chegado ao ápice de tudo, de tudo, de tudo.

E ele batia no próprio peito com os pulsos. E o seu peito, eu penso, devia bater também, mas como se fosse, em vez de um coração, como se fosse uma pedra incapaz de ser removida ou suportada por ele. Tanto é que ele caiu. Ele caiu pelo peso da pedra e gritou, gritou, gritou, gritou e gritou. Os joelhos dobraram e ele caiu. Duro e difícil em cima das pedras da rua.

Ele devia vir com aquilo crescendo dentro dele, com essa pedra crescendo em tamanho, desde que ele era criança. E agora ele não podia mais carregar nem a si mesmo. Porque era muito peso. E as coisas foram sendo assim mesmo. Talvez o pedaço dele tenha sido arrancado justamente pra dar lugar a essa pedra enorme, que não cabia mais de tão grande. E o que me assusta mais é que eu não sei se ela pretende parar de crescer um dia.

Eu sei que, de tanto ele gritar, eu hoje me sinto silenciado. Eu não tenho mais palavras. Eu não tenho palavras. Eu estou escondido atrás de uma porta. E isso não é uma metáfora. Não, não é. É um fato. Eu estou aos soluços. E sem som algum. Sem som algum tudo isso. Tudo isso que sai de mim não tem barulho de nada. Porque até o barulho perdeu a função de ser barulho depois disso. E, do mesmo jeito que ele provavelmente ficou sem nunca mais andar, eu também acho que provavelmente eu emudeci de vez. Eu me sinto destruído. Quando, na verdade, eu pensei que tivesse endurecido de vez.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Burden

É um ghost. É um must. É um símile.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Psicanalítica

Dois cubos de açúcar para as suas bocas. Mas apalpando eu escolho uma. Minhas mãos sabem gritar muito bem. Agarro com delícia. Sendo que as pegadas antiquadas do seu som demarcam seu pensamento equivocado. Enquanto você sonha, eu sou tão mais puta. Menos fanha e mais louca. Com pouca grana no bolso de trás e pronta pra perder em qualquer parada, eu já me sinto bem-vinda a este. A tarde é um coquetel de solares. O meu é preparado para ser sagaz, com muito álcool e pouco doce. Alta e feroz. Duas medidas são o bastante para até o começo da noite. Quando a qualquer momento um pau pode ficar duro. E eu acho ótimo. Seja dentro da minha palma, é claro. Mesmo que fora do meu campo de visão. Delimite apenas o seu tamanho em centímetros. Que os meus são maiores e metrificados por ao quadrado.


domingo, 15 de setembro de 2013

Dia dos senhores

Cometer, sejam erros ou acertos, com garantia de vida. Que o dia vai nascer. Que vai ser domingo. E que domingo é dia de Deus descansar, deitado na rede, fumando um cigarro, bebendo uma Coca. E que, assim como ele, a gente também vai poder ver o sol meio que de dentro do quarto, pela janela. Só na preguiça. E isso vai ser muito bom. Vai se poder beber muita água. E sentir saudade, mas daquelas boas. E vai poder se agradecer muito pela existência que, apesar de dura, é fresca. É molinha. É doce. Mesmo quando azeda. Mas nem isso importa muito agora. Porque o que mais vai ficar é que, no dia de hoje, a vida vai descer bem pela garganta. Seja na fumaça quente e branca ou nas bolhas geladas e pretas. Um dia essa felicidade vai ser tão tão completa que todo dia vai ser feriado, porque todo dia vai ser que nem domingo. Ou mesmo: todo dia vai ser exatamente um domingo, na forma e no nome que ele tem. E o sagrado vai ser profanamente um dia público e extremamente democrático. Sem privações.