sábado, 21 de setembro de 2013

O homem da rua de pedras

Vinha um homem andando por uma rua de pedras. Eu vi. Um homem caminhando por uma rua de pedras. E ele chorava. Mas ele chorava muito, muito mesmo, como se ele tivesse acabado de ser muito machucado. E eu até fiquei olhando se algum pedaço dele estava fora do canto, se algum pedaço dele tinha sido arrancado ou trocado. Porque uma dor igual àquela não devia ser por pouca coisa.

Ele também se perguntava onde estava Deus, eu lembro. Ele perguntou isso. Ele deve ter perguntado umas trinta e poucas vezes onde estava Deus. E ele também dizia muitas coisas. Muitas coisas, muitas coisas. Que era tudo um buraco, que era tudo feio, que era tudo um pedaço arrancado à força por sei lá quem ou o quê, que era muito difícil e infernal e que era injusto que Deus existisse diante daquilo. E disse também mais outro bocado de coisas, que eu não lembro. E então ele continuou. Ele continuou caminhando, caminhando, caminhando, caminhando até perder a força nas pernas. E caiu. Caiu no chão. As pernas tremeram tanto que ele caiu. E foi obrigado a desistir de continuar andando. E ele chorava tanto, tanto, que as pessoas que passavam por ele nem olhavam. Mas ele chorava muito mesmo. E as pessoas sentiam vergonha ou algo do tipo. Sim. Vergonha. Vergonha daquilo que ele estava vivendo. Eu também senti. Talvez por não saber lidar com aquilo. Por não saber como lidar com aquilo. Talvez por não entender. Talvez por não sentir igual ou não entender o maneira que ele sentia. E então ele quis se defender. Eu acho que foi isso. Ele queria se defender. Ele quis se defender. Porque ele já estava muito fodido pra ser mais fodido ainda. E além de estar fodido por tantas questões, ainda ia ser mais fodido ainda por tantas outras se ele não se defendesse. Por isso eu acho que era defesa. Porque ele começou a gritar. Muito. Gritar muito além de, como eu já disse, chorar e dizer coisas. Gritava muito, muito alto, como se tivesse sido tomado por um ódio súbito. Não era mais só a tristeza. Era ódio também, tudo junto. Mas era muito ódio. E ele fazia questão de odiar. Ele odiava como se, depois daquele ódio, ele nunca mais fosse sentir mais nada. Mais nada. Mais nada mesmo. Era como o último sentimento que ele teria na vida. É como se ele tivesse chegado ao ápice de tudo, de tudo, de tudo.

E ele batia no próprio peito com os pulsos. E o seu peito, eu penso, devia bater também, mas como se fosse, em vez de um coração, como se fosse uma pedra incapaz de ser removida ou suportada por ele. Tanto é que ele caiu. Ele caiu pelo peso da pedra e gritou, gritou, gritou, gritou e gritou. Os joelhos dobraram e ele caiu. Duro e difícil em cima das pedras da rua.

Ele devia vir com aquilo crescendo dentro dele, com essa pedra crescendo em tamanho, desde que ele era criança. E agora ele não podia mais carregar nem a si mesmo. Porque era muito peso. E as coisas foram sendo assim mesmo. Talvez o pedaço dele tenha sido arrancado justamente pra dar lugar a essa pedra enorme, que não cabia mais de tão grande. E o que me assusta mais é que eu não sei se ela pretende parar de crescer um dia.

Eu sei que, de tanto ele gritar, eu hoje me sinto silenciado. Eu não tenho mais palavras. Eu não tenho palavras. Eu estou escondido atrás de uma porta. E isso não é uma metáfora. Não, não é. É um fato. Eu estou aos soluços. E sem som algum. Sem som algum tudo isso. Tudo isso que sai de mim não tem barulho de nada. Porque até o barulho perdeu a função de ser barulho depois disso. E, do mesmo jeito que ele provavelmente ficou sem nunca mais andar, eu também acho que provavelmente eu emudeci de vez. Eu me sinto destruído. Quando, na verdade, eu pensei que tivesse endurecido de vez.

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