sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Astronauta 3000


Fugirei de casa. Vou sair andando leve, na rua, correndo vez por outra. Vou cair na pista, eu sei. Vou cair em mim e em mais ninguém. Continuarei ariano, mas serei mais azul que vermelho – como eu não já sou, porque sou amarelo. E não carregarei nas costas nenhum retrato.

Se eu precisar pegar carona, subo até em boléia de caminhão. Apareço vivo, noutro canto. Outro canto; canto de novo, mas outra música, outra canção. Amanhã: um novo dia, nova manhã – e todos os clichês: não sofro mais pelo passado. Deixo tudo em casa, ancorado, mas lá, só por lá, eu prometo. Se eu precisar voltar, vai ser uma pena, porque já me perdi no caminho, mesmo sem ainda ir – os passarinhos comeram todos os rastros, igual como fizeram com João e Maria, igual como fazem, agora como fazem com mim.

Serei assim, como um pôr-do-sol que eles não viram. E de qualquer jeito o meu cartão telefônico já estourou. Não ligarei pra casa. Serei forte. Esquecerei.

Vejo o amanhã: tirei meus sapatos, já. Meus bolsos estarão furados. Não tenho remendo. Nem linha nem agulha. Nem língua que reclame. Nem pés de Curupira. Nem nada que me faça andar pra trás. Não volto.

Sou forte – esqueci.

Vejo: estou surdo. Sou tão forte que depois sou o amanhã. Sou tipo último tipo, de vestido de paetês – a loucura me pertence.

A loucura me pertence – encontro que o amanhã é mesmo meu. As cidades não existirão. E será meu o meu tempo. Mas amanhã.

Agora vejo: e sei que tão cedo eu não vou, pelo menos espero. Tenho medo. Não quero tão cedo. Não tenho força. Eu não fui. Ir – outros dizem que é como viajar. Ainda não, eu fico. Fico em casa, tenho sapatos. Tenho ossos – muitos ainda pra roer –, não quero largar agora. Tenho linha, agulha, remendo. Tenho o número de casa, meu DDD, meu telefone. Me reencontro. (Renasci.)

Em 3000 já não estarei – terei 3019 anos, pelo que dizem os homens. E eu terei virado semente pra depois de amanhã, assim espero.

Mas amanhã é que eu parto: pegarei minhas malas e as levarei, talvez vazias.

Os homens chamam isso de morte.

Mas amanhã.

***

Um dia eu subo em uma nave espacial. Amanhã é que quero ser astronauta.