segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Andar de bicicleta em Fortaleza

(para Paulo José)

Fechei os olhos e ardi com o sol na cara. Gargalhadas nervosas, gritinhos e gemidos de medo logo viraram ao avesso, Deus. Não tem quem explique. É que, depois de tanto tempo, sentei em uma bicicleta e fui levado com o vento sendo partido em meu rosto e com o dia de domingo triste em lágrimas, que partiu meu rosto semanas passadas, sendo partido em partes de partes de minutos felizes em cima de uma bicicleta. Uma simples bicicleta, prata.

Um amigo atrás, me carregando, carregando-nos, carregando a bicicleta aos pedalos. Porque eu nunca aprendi a andar de bicicleta, realmente. Nunca mesmo. Medo de cair, talvez. Medo de me ralar. Nunca tirei as duas rodinhas, aquelas que sustentam o equilíbrio. E nem adiantou muito tê-las em minhas rodas, se mesmo assim caí.

E faz tanto tempo, Deus! Quando caí na infância. Quando caí agora. Quando caí ante-ontem. Quando caí no domingo antes deste domingo. Nem bicicleta nem patins, nada eu aprendi. Mas o sol e o vento. Fortaleza, o asfalto cheio de pedrinhas, tudo cinza em baixo, várias listras, focos com meu olhar às vezes fechado pelas pálpebras e às vezes aberto pelo súbito medo de cair.
Minha bunda doía às vezes. Mas eu era feliz e o resto pouco me importava. Eu era. Eu, a voz do Paulinho, ele que nos levava, a voz dele, ele, a minha voz, o calor de nós, eles, o calor do tempo, o reflexo dos metais, das cores dos carros, das buzinas, dos reflexos dos reflexos dos meus reflexos. O monte de gente no centro da cidade. E meu centro. Meu peito. Meu corpo. E quebraram-se os freios os freios todos não fossem os pés seria impossível parar nós voaríamos talvez mesmo com o peso de nós de nos carregar mesmo com o peso que eu não sei se era tão pesado pra ele que nos levava tudo ali parecia tão leve quanto a beleza da leveza de ser leve e quando desci da bicicleta

Quando desci da bicicleta: meu Deus – de novo –, a infância. Minhas ferrugens da década de 90. O sítio do vovô. O ontem e o daqui pra frente. Meus olhos marejados de mar de praia. Minha cidade. Minha fortaleza. Minha memória. Minhas não-memórias e o amanhã. Segunda-feira, quem sabe? Segunda vida, outra, mais outra, mais uma semana. E eu continuarei feliz com meus dias de domingo ardendo sobre as bicicletas de dentro de mim.

Ontem eu aprendi que ontem mesmo eu não aprendi, mas descobri andar de bicicleta.

Hoje eu acordei.

4 comentários:

  1. Aplausos.
    Intensasmente leve.
    "E eu continuarei feliz com meus dias de domingo ardendo sobre as bicicletas de dentro de mim.


    Ontem eu aprendi que ontem mesmo eu não aprendi, mas descobri andar de bicicleta."
    Não preciso comentar mais nada.
    Aplausos.
    Ps: Tua literatura me conduziu num voo de bicicleta até à infância, onde, também com as duas rodinhas de equilíbrio, caía. E só andava direitinho quando amarrado em uma bicicleta adulta que me guiava entre os ôibus e o meio-fio. Talvez pelo mesmo medo de cair, nunca me permitir a andar de bicicleta.

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  2. pedalando pensei:
    com bem poucos seria possível.
    outro dia lhe levo para uma volta olímpica...
    na verdade, a verdade é que a vida nos inicia a cada dia e reinventa.
    amo você.
    que bom, Deus!

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  3. Que lindo te ler, me sinto limpo. Tua escrita é um mergulho.

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