– Vacas são felizes?
– São.
– Elas parecem ser tão calmas...
– É, parecem...
– Não, não parecem. Elas são calmas de verdade.
– É...
– A senhora é feliz?!
– Claro que sou.
– Não parece.
– Não pareço?
– Não sei. Sua calma não parece calma de verdade.
– E existe calma de verdade e calma de mentira?
– Não sei.
– ...
– Acho que existe.
– ...
– Mamãe.
– Oi.
– Existe vaca em todo canto do mundo todo?
– Não sei, meu filho. Acho que sim... Talvez. Não sei.
– Elas têm medo de morrer?
– Não sei. Devem ter.
– E por que elas têm tanta calma?
– Não sei...
– ...
– O que foi?
– Por que a gente come vaca, mamãe?
– Também não sei, meu bem.
– E por que a gente bebe leite?
– Eu não sei, meu filho! Não sei! A gente bebe leite porque mandam.
– Quem manda?
– Ninguém... Na verdade a gente come carne e toma leite pra ficar forte. Pronto!
– A senhora é forte?
– ...
– Acho que elas são mais fortes, mamãe. Porque elas são calmas e têm medo de morrer.
– E pessoas fortes têm medo de morrer, por acaso?
– Acho que sim.
– E são calmas?
– São.
– E se a calma delas for de mentira?
– Mas não é.
– Como você sabe?
– Porque vacas não mentem. Bicho nenhum mente.
– E como é que você sabe disso?
– Porque elas são felizes.
– ...
– E só quem mente é as pessoas que têm medo de vida.
– Medo de vida?
– A senhora tem medo?
– O que é medo de vida?
– A senhora tem medo ou não?
– Tenho. Claro que tenho.
– Então a senhora não é feliz?
– Sou!
– Então é medo de morte, mamãe?!
– Não, meu filho. É medo de outras coisas.
– Então a senhora está mentindo!
– Não estou mentindo. Por que sua mãe iria mentir pra você?
– É medo de vida?
– Também não.
– A senhora está mentindo, sim!
– Não. Não estou, não.
– E se está mentindo é porque não é feliz de verdade!
– Claro que não!
– A senhora tem medo de vida. Por isso mente.
– Eu não minto nunca! Eu sou sua mãe.
– E também nem é calma de verdade. É fraca!
– Você não fale assim comigo!
– ...
– Ouviu bem?!
– Desculpa.
– ...
– Mamãe.
– Oi.
– Por que a senhora falou gritando então?
– ...
– A senhora finge?
– O quê?!
– É que a senhora é alegre por fora, mas parece ser triste no coração.
– Isso não existe...
– Existe. A senhora parece forte, mas eu sei que não é.
– Acho que é melhor a gente voltar pro sítio, está ficando escuro, as vacas querem dormir.
– Mamãe?!
– Fala.
– A senhora tem medo de vida?
– De novo esse assunto?
– Tem ou não tem?
– E o que é ter medo de vida?
– Eu não sei.
– Então eu também não sei.
– Sabe. A senhora é adulta.
– E o que é que tem?
– Adulto tem medo de vida.
– E você tem medo de escuro!
– Mas ter medo de escuro é medo de morte.
– ...
– Medo de morte é diferente.
– O que é medo de morte?
– É medo de morrer.
– E medo de vida?
– É medo de ter calma.
– Ninguém tem medo de ter calma, meu filho.
– Tem medo, sim! A senhora parece que tem!
– Eu pareço ou eu tenho?
– Não sei dizer, a senhora mente muito.
– Eu não minto!
– ...
– Então... Quer dizer que as vacas são infelizes?
– Não.
– Mas elas não têm medo?
– Mas é de morte! E de morte é diferente!
– Claro que não.
– Claro que é!
– Diferente como?
– Medo de morte é quem não tem medo de vida.
– E medo de vida, o que é?
– É quem não tem medo de morrer.
– ...
– Quem tem medo de morte é porque deve ser feliz.
– Como você sabe?
– Aprendi com as vacas...
– São.
– Elas parecem ser tão calmas...
– É, parecem...
– Não, não parecem. Elas são calmas de verdade.
– É...
– A senhora é feliz?!
– Claro que sou.
– Não parece.
– Não pareço?
– Não sei. Sua calma não parece calma de verdade.
– E existe calma de verdade e calma de mentira?
– Não sei.
– ...
– Acho que existe.
– ...
– Mamãe.
– Oi.
– Existe vaca em todo canto do mundo todo?
– Não sei, meu filho. Acho que sim... Talvez. Não sei.
– Elas têm medo de morrer?
– Não sei. Devem ter.
– E por que elas têm tanta calma?
– Não sei...
– ...
– O que foi?
– Por que a gente come vaca, mamãe?
– Também não sei, meu bem.
– E por que a gente bebe leite?
– Eu não sei, meu filho! Não sei! A gente bebe leite porque mandam.
– Quem manda?
– Ninguém... Na verdade a gente come carne e toma leite pra ficar forte. Pronto!
– A senhora é forte?
– ...
– Acho que elas são mais fortes, mamãe. Porque elas são calmas e têm medo de morrer.
– E pessoas fortes têm medo de morrer, por acaso?
– Acho que sim.
– E são calmas?
– São.
– E se a calma delas for de mentira?
– Mas não é.
– Como você sabe?
– Porque vacas não mentem. Bicho nenhum mente.
– E como é que você sabe disso?
– Porque elas são felizes.
– ...
– E só quem mente é as pessoas que têm medo de vida.
– Medo de vida?
– A senhora tem medo?
– O que é medo de vida?
– A senhora tem medo ou não?
– Tenho. Claro que tenho.
– Então a senhora não é feliz?
– Sou!
– Então é medo de morte, mamãe?!
– Não, meu filho. É medo de outras coisas.
– Então a senhora está mentindo!
– Não estou mentindo. Por que sua mãe iria mentir pra você?
– É medo de vida?
– Também não.
– A senhora está mentindo, sim!
– Não. Não estou, não.
– E se está mentindo é porque não é feliz de verdade!
– Claro que não!
– A senhora tem medo de vida. Por isso mente.
– Eu não minto nunca! Eu sou sua mãe.
– E também nem é calma de verdade. É fraca!
– Você não fale assim comigo!
– ...
– Ouviu bem?!
– Desculpa.
– ...
– Mamãe.
– Oi.
– Por que a senhora falou gritando então?
– ...
– A senhora finge?
– O quê?!
– É que a senhora é alegre por fora, mas parece ser triste no coração.
– Isso não existe...
– Existe. A senhora parece forte, mas eu sei que não é.
– Acho que é melhor a gente voltar pro sítio, está ficando escuro, as vacas querem dormir.
– Mamãe?!
– Fala.
– A senhora tem medo de vida?
– De novo esse assunto?
– Tem ou não tem?
– E o que é ter medo de vida?
– Eu não sei.
– Então eu também não sei.
– Sabe. A senhora é adulta.
– E o que é que tem?
– Adulto tem medo de vida.
– E você tem medo de escuro!
– Mas ter medo de escuro é medo de morte.
– ...
– Medo de morte é diferente.
– O que é medo de morte?
– É medo de morrer.
– E medo de vida?
– É medo de ter calma.
– Ninguém tem medo de ter calma, meu filho.
– Tem medo, sim! A senhora parece que tem!
– Eu pareço ou eu tenho?
– Não sei dizer, a senhora mente muito.
– Eu não minto!
– ...
– Então... Quer dizer que as vacas são infelizes?
– Não.
– Mas elas não têm medo?
– Mas é de morte! E de morte é diferente!
– Claro que não.
– Claro que é!
– Diferente como?
– Medo de morte é quem não tem medo de vida.
– E medo de vida, o que é?
– É quem não tem medo de morrer.
– ...
– Quem tem medo de morte é porque deve ser feliz.
– Como você sabe?
– Aprendi com as vacas...
É, elas sabem que vão morrer, sempre sabem. Já viu o momento em que um boi é escolhido para ser abatido? Ele sabe exatamente que é ele.
ResponderExcluirAs vacas são mesmo calmas e muito felizes. Adorei as máximas como por exemplo "os animais não mentem" - acredito MUITO nisso, na honestidade dos animais. São mais verdadeiros do que muita gente que eu conheço.
Adorei a ironia socrática desse garoto. Tomara que a mãe não esqueça nunca a lição que ele aprendeu com as vacas.
Demorei pra vir comentar querido, mas sempre leio, mais de uma vez até. É que sou uma comentadora geralmente longa e tinha muito a dizer sobre esse belíssimo diálogo. =)
Beijo grande e abraço apertado!
Estilo se tem ou não se tem, e vc tem.
ResponderExcluirFaça minhas as palavras do Miguel. Se estilo pudesse ser engarrafado e vendido, eu indiscutivelmente seria sua cliente.
ResponderExcluirNão só Estilo, mas se Sensibilidade e Leitura de Mundo pudessem ser "engarrafados" e vendidos, você deveria ser por maestria recorde absoluto de vendas. Mas sei que tua literatura que cria um impacto de leveza e angústia ao lermos diálogos ricos de filosofia, como nesse texto, não é feita pra ser vendida, mas sim pra ser dignamente: Ovacionada.
ResponderExcluirEncantado, profundamente encantado.
PS: Eu sou esrtudante de teatro por aqui...que vontade de um dia fazer uma cena com teu texto!
Abraço, fica na paz, Sensível Escritor que minha alma tem a ligeira impressão de conhecer de cor/
putz!!!
ResponderExcluireu tenho medo!
hehhe
lindo lindo....
ResponderExcluirvc sempre sabe como nos prender em uma leitura!!!
Eu tenho medo da morte.
ResponderExcluirhá como ter medo da morte e medo da vida?
ResponderExcluireu tenho medo, mas nem pergunte de que!
ResponderExcluirseu texto me espanta, pela força dele.
fiquei desesperado.
parabéns.
Ri à beça ao ler este diálogo.
ResponderExcluirPode até parecer bobo, porém
sabemos que não.
=]
Muito legal! Gostei!
E você, tem medo da vida ou da morte?
Eu tenho medo da morte.
E não tenho a calma que aparentam ter as vacas.
Mas, ainda assim, sou feliz.
Alguém me explica o porquê? ;)
Abraços!