sábado, 1 de agosto de 2009

Amor de pudim

(para Letícia Trugílio)

Estava completamente só, sem saber de mais nada. Não havia ninguém que a censurasse por estar sentada ali, de pernas abertas. Preferia pensar sem saber no que estava pensando e olhava fixamente para o Cristo na parede da cozinha. Sua blusa velha estava encharcada de suor na gola e sua calcinha bege e esfolada, mas meio rosa por causa de desbote, cheirava a coisa usada. Os fantasmas, aos poucos, encarnavam em sua cabeça, fazendo-a pensar sobre um tal de um amor acontecido, enquanto tudo se inundava num copo de Coca-Cola com gelos de cubos falsos.

É que sei lá há quanto, aceitou um pedido de namoro. Disse um “sim” seguido de um beijo e fez de uma simples pergunta uma resposta positiva para si. Dedicou-se a ele, fez-se a ele, deu o que era ela a ele – mas só até onde pôde. E eles se gostavam, sim. Mas e o tempo passou e agora ela estava sentada ali, sozinha por preferir estar só. As coisas tinham perdido seu devido brilho e não havia mais valor. As risadas dele agora pareciam irritar ou invés de fazer rir também. Cansava-se só de imaginar ter que vê-lo sorrir. Aquela alegria que era só dele, a cada dia ficava mais dramática, mais trágica ou até cômica aos que, de fora, davam-se ao luxo ou ao direito de gargalhar, como uma platéia de uma irônica comédia de costumes.

Ele era bom demais, doce demais, amável demais. Não discordava nunca, era sempre disposto, sempre entregue – e esse era o problema de tudo. Não havia brigas ou cortes, nem cicatrizes de machados e facas. Não havia nada. Tudo estava ali, esperando traças. Era como um pudim molenga e sem doce, desonerando apenas por dentro, feito com ovos gorados e coberto por um mel queimado e meio amargo. Já estava virando uma peça de museu intacta – e não havia motivo para destruir uma obra tão bela aos mundos alheios. Se houvesse um rompimento – Deus sabe – a culpa seria dada imediatamente por não haver motivos aparentes. Seria injustiça, seria maldade com ele que, justamente, era tão bom.

Ela decidiu então ficar como uma múmia, apodrecida apenas por dentro dos linhos. Assim era melhor. Não haveria a culpa por tê-lo largado, não haveria vítimas nem fraturas expostas, e os carrascos não teriam que sujar as mãos de sangue. Era mais bonito também ser um túmulo glorioso. Um sarcófago que, por fora, era ouro ornado por pedrarias e, por dentro, era um cadáver dissecado, uma carne podre sendo comida entre lençóis empoeirados. Lençóis sem graça, sem vida. Como tudo havia se tornado: trivial demais – doce como pó de café solúvel na língua. Bege como a calcinha.

5 comentários:

  1. "doce como pó de café solúvel na língua."
    Lindo. MUITO lindo, sério.
    Gostei oseanos, bjs.
    e nem foi porque esse foi um comentário exigido. xD

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  2. Momento para pensar seriamente nas palavras de Fernanda Young.
    Momento para comprar calcinhas novas.

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  3. já tive um amor pudim....exatamente assim:
    "...Ele era bom demais, doce demais, amável demais. Não discordava nunca, era sempre disposto, sempre entregue – e esse era o problema de tudo..."

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  4. nunca tive um amor de pudim.
    Mas sinto medo.

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