sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Balão, vermelho

Os espelhos eram só daquela luz – aquela das cinco da tarde – alaranjada, meio amarela, com nuvens róseas no céu, explicando que o tempo não existe. Acordei ainda adormecido, sem saber de onde vinha aquele cheiro de café. As coisas eram tão serenas – o sol das cinco da tarde, as lágrimas nos olhos e a voz do vento como em uma canção dolorosa – que fiquei perdido na lentidão da casa. Uma lentidão pavorosa, com um grito preso dentro. Tão silencioso que não saia som da boca inexistente. Um grito como aquele que ninguém nunca entendeu. Como um grito que os pais nem as cabeças nunca entendem. Como um grito que não abre porta, que não se sente, que não prende, que não move. Como aquele que não age sobre nada por ser feito de nada. Era um grito de boca de balão. Que vomitava ar e só. E em cima dos meus olhos fatigados sob a luz vinda de um céu – um céu próprio das cinco da tarde.

Voltei pra cama sem saber mais do café. Cobri meus olhos – escureci. E dormi vazio, cheio de ar, como que com Deus nos pulmões.

7 comentários:

  1. "com Deus nos pulmões"...
    Letras como essas, tão ilibadas e reflexivas, mesmo com todas as adversidades do tempo entre sua existência e inexistência, tornam qualquer comentário espassado como um grito preso.
    Mas, meu peito ouviu teu grito, meus tímpanos sentiram-no, talvez por que dentro de mim exista algo exatamente equivalente ao que você descreveu.
    Amei mais essa visualização introspectiva, meu caro. Você tem o Dom, ponto.

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  2. De fato ô ano estranho, mas muito, muito produtivo.
    Gostei de me esbarrar com seus poemas.
    que 2010 seja pra nós imbuídos de criações poéticas!!

    Abraços.

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  3. Aqueles gritos repleto de palavras emudecidas.

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  4. lembra casas de interior. Quando durme depois do almoço e acordo,
    querendo não enxergar o que tem lá.

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  5. Eu escureço muito, Honório.
    Minha mãe diz que não é saudável.
    Mas ela não é formada em Medicina, então continuo.

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